Investimento a longo prazo

Por Diário Catarinense.

Mecanismo da Fifa garante ganho aos clubes formadores, mostrando que o investimento em jovens talentos vale a pena e pode ser uma excelente fonte de dinheiro para o time brasileiro.

O processo de formação de um jogador de futebol é lento e caro. E é uma aposta, já que é difícil prever como um talento vai se desenvolver. Mas quando dá certo e um craque ganha o mundo, o clube tem receita garantida com cada transferência internacional.

É o que garante a Fifa, com o “mecanismo de solidariedade” e a “compensação por formação”, decisões previstas em regulamento que estão trazendo uma grana extra aos cofres dos clubes catarinenses.

Só nos 10 processos registrados por clubes de Santa Catarina na Fifa através do escritório paulista Carlezzo Advogados Associados, o montante é de 450 mil euros.

– Essas ações se tornaram uma fonte de receita muito importante para vários clubes do Brasil – explica o advogado Eduardo Carlezzo.

Em Porto Alegre, a ABM Sports, que negocia uma parceria com o Figueirense, tem um banco de dados com 700 mil atletas, inclusive das divisões de base de mercados menos expressivos, como Oriente Médio, Ásia e Leste Europeu.

Com ele, a empresa tem condição de rastrear a carreira de mil jogadores a cada 10 dias. A rapidez no rastreamento é importante porque se o clube não pleitear os créditos que tem a receber no prazo de 24 meses, o direito de reembolso prescreve.

– Com o banco de dados que nós estamos formando há cerca de oito anos, conseguimos rastrear toda a carreira dos jogadores que trabalharam nos clubes que nos contratam – explica um dos sócios da ABM Sports, Diego Galvão.

Cálculos dependem do tempo de clube

O ressarcimento aos formadores foi reconhecido pelo “Regulamento sobre o status de transferência de jogadores”, da Fifa, a partir de 2002. Uma espécie de estatuto, em que a entidade define as regras das transações internacionais.

Às vezes nem é preciso recorrer à Fifa; o clube de origem faz acordo diretamente com o clube devedor. Quando há esta necessidade, geralmente leva de um ano e meio a dois anos para o caso ser julgado pela Fifa. Depois da definição do valor a ser pago, o clube devedor é notificado e tem 30 dias para pagar. Em caso de inadimplência, as sanções podem ser multa, retirada de pontos da competição de que o clube participa e até o rebaixamento.

– Os cálculos são feitos em relação ao tempo que ele ficou, através de uma tabela definida pela Fifa. Então, se o clube participou da formação, mesmo que lá na infância, ele tem algum direito – explica Diego Galvão.

MECANISMO DE SOLIDARIEDADE

Acionado quando há uma transferência internacional de um jogador com idade inferior a 23 anos e os dois clubes acordem um valor pela transferência. Neste caso, 5% do valor deve ser repartido proporcionalmente entre os clubes que registraram o atleta dos 12 aos 23 anos.

COMPENSAÇÃO POR FORMAÇÃO

Define que, mesmo em transferência sem valores envolvidos, o clube formador também será recompensado. Vale para atleta amador que vai assinar seu primeiro contrato em novo clube, e para profissional cujo contrato encerra até o fim da temporada onde completou 23 anos.

AVAÍ

O lateral-direito Rodrigo Galo é o caso mais recente no Avaí. Foi protocolado pelo escritório de Eduardo Carlezzo em maio. Galo foi formado nas categorias de base do Leão. Em 2008, o contrato acabou e não houve acordo para a renovação.

Rodrigo Galo ficou um bom tempo treinando em separado na Ressacada, até que fechou contrato com o Gil Vicente (Portugal). Mesmo sem vínculo federativo na época da transferência, o Leão tem direito a receber 105 mil euros pela compensação por formação.
Além de Galo, o Avaí teria outros seis jogadores com processo iniciado na Fifa e outros 10 a 15 atletas em fase de pesquisa e prospecção.

– O Avaí tem contratados advogados especializados que atuam junto às federações internacionais e fazem essa auferição, através dos registros destas transferências. Temos escritórios em São Paulo e em Porto Alegre, inclusive com sedes em vários países do mundo – explica o assessor jurídico do Avaí, Tullo Cavalazzi Filho.

O meia Michael, que jogou no Avaí em 2005, então com 23 anos, e este ano foi negociado pelo Coritiba com o Jeff United, do Japão, também vai render algum recurso ao Leão. O problema é que o valor será rateado por outros clubes que participaram da formação, como Juventus-SP e São Caetano-SP, e o dinheiro que entra acaba sendo pequeno. Outra transação que pode respingar nos cofres do clube é a saída do atacante Reinaldo do Botafogo para o Vestel Manisaspor, da Turquia. O atacante jogou no Avaí em 2002, emprestado pelo Palmeiras, quando tinha apenas 22 anos.

FIGUEIRENSE

Os escritórios especializados rastreiam a movimentação dos jogadores no exterior. A cada transação, procuram nos registros dos atletas negociados uma passagem por algum clube brasileiro durante o período de formação. Foi assim que descobriram que o Figueirense tinha direito a receber por três de seus ex-atletas: os pratas da casa Filipe (pela transferência do Ajax, da Holanda, para o La Coruña, da Espanha) e Rodrigo Silva (atacante negociado pelo Corinthians-AL com o Nacional, da Ilha da Madeira, de Portugal), além do “emprestado” Marcinho Guerreiro (passou pelo Figueira em 2002, aos 22 anos; em 2008 foi negociado pelo Palmeiras ao Metallurg Donetsk, da Ucrânia).

Apesar de serem recursos sem muito volume, o diretor-superintendente da Figueirense Participações, Thiago d’Ivanenko, concorda que é mais uma demonstração de que investir na base é um bom negócio.

– Aqueles clubes que fazem investimento na base, que conseguem encarar o dinheiro que se emprega na base como investimento, e não como gasto, são os clubes que ao final dos anos têm um ingresso substancial no caixa do clube.

O antigo titular do cargo, Rodrigo Prisco Paraíso, que está morando na Inglaterra e conhece a realidade de alguns dos principais clubes do planeta, faz a mesma reflexão.

– O Figueirense, hoje, produz e revela atletas que interessam aos melhores do mundo – comenta, informando sobre o interesse do Barcelona no lateral Filipe.

– Ter jogadores nos principais clubes do mundo é importante não só como sinal de grandeza e qualidade do trabalho realizado, mas como potencial de receita futura.

JOINVILLE

O caso do lateral Vinícius, que atuou por quatro anos no Joinville, é o típico exemplo da compensação por formação. Em julho do ano passado, o contrato terminou e o jogador, então com 21 anos e na qualidade de “livre” (sem vínculo com clube algum), transferiu-se para o Tour, da Segunda Divisão da França. O clube francês não precisou pagar ao JEC pela transação, mas vai ter que dar uma compensação ao clube catarinense pela formação do jogador. Para cada um dos quatro anos no clube, os franceses têm que pagar 60 mil euros, em um total de 240 mil euros.

– Formando jogadores, você tem uma receita essencial para o nosso nível de clube. Não vejo outra saída. É a solução para nós no Brasil e todo mundo está investindo nisso – comentou o presidente do JEC, Márcio Vogelsanger, que, depois do Estadual e sem calendário no profissional, revolseu manter o técnico Sergio Ramirez no clube para treinar os juniores.

Márcio disse que o JEC também trabalha diretamente junto à CBF e à Fifa no pleito aos seus direitos.

– Já tem alguns jogadores negociados que daqui a pouco vai pintar alguma receita aí – avisa o dirigente.

Um deles é o meia Ramires, negociado recentemente pelo Cruzeiro ao Benfica (Portugal). O Joinville tem 3% dos direitos econômicos e ainda receberá os 5% pela formação do atleta. Outro é o meia Renato Abreu. O jogador atuou no clube quando tinha 21 anos, em 1999. Mais tarde, fez a fama no Corinthians e no Flamengo e quando se transferiu para o Al Nasr, dos Emirados Árabes, o clube não recebeu seu quinhão como formador.


Todos os Direitos Reservados | 2020
Whatsapp
Close and go back to page