Haja coração! Os alertas da CVM para os clubes que querem ir à bolsa
Paixão do torcedor e boataria na internet podem tornar a experiência menos racional do que o mercado prega.
A CVM publicou nesta segunda-feira um documento com orientações para os clubes de futebol que viraram SAFs e pensam em abrir capital na bolsa. Além de pontuar quais são os caminhos para um IPO ou para emitir um título de dívida, o xerife do mercado financeiro teve o cuidado de incluir dois alertas que estão intimamente ligados ao mundo dos esportes: a paixão do torcedor e a boataria que em geral circula sobre clubes e jogadores na internet, fatores que podem tornar mais emocionante do que o ideal a experiência de investir no time do coração.
Por considerar que muitos torcedores podem querer virar acionistas dos clubes — e acabar tomando decisões que fogem de uma racionalidade que se espera de investidores —, a CVM orientou os clubes a "dedicarem especial atenção à descrição de fatores de risco das ofertas e dos emissores", recorrendo a uma "linguagem clara, concisa, objetiva e balanceada na ênfase a informações positivas e negativas."
No documento, a CVM disse que alertas dedicados a reduzir o viés emocional do torcedor são recomendáveis e que a decisão de investimento não deve ser orientada por aspectos não racionais relacionados aos sentimentos existentes entre os torcedores e os clubes.
No segundo ponto de preocupação, a CVM afirmou que também não se pode ignorar que a atividade do futebol se sujeita, no Brasil e em outros países, a um intenso acompanhamento de jornalistas, influenciadores digitais, torcedores e outros agentes que geram, diariamente, uma quantidade significativa de informações, notícias, reportagens, relatos e boatos, com propósitos variados.
A CVM admitiu que não tem a expectativa de que a SAF e seus administradores se manifestem em reação a qualquer notícia ou boato, em especial as produzidas no contexto nitidamente esportivo, mas ressaltou que nem por isso deixará de exigir que sejam avaliadas as situações que possam gerar os efeitos previstos na regra que estabelece os critérios para divulgação de fatos relevantes.
Embora a CVM tenha feito os alertas, é esperado que os clubes e os investidores (torcedores ou não) ainda levem um tempo para se adaptarem. "Esse debate será acentuado durante os períodos de contratação de jogadores, momento em que a boataria corre solta, e quando as expectativas de compra ou venda de um grande jogador podem impactar no preço das ações", afirma o advogado Eduardo Carlezzo, da Carlezzo Advogados, escritório especializado em direito esportivo e que assessora clubes que abriram capital no Chile: o Colo-Colo, Universidad Católica e a U. de Chile.
Mas se os clubes brasileiros começarem de fato a buscar a bolsa, provavelmente o movimento será liderado pelos maiores. "Não está claro se algum clube vai buscar a abertura de capital, porém ela pode ser uma opção interessante para os grandes clubes que estejam bem-organizados, que não queiram se desfazer do controle e que desejem capitalizar suas operações com a venda de uma participação minoritária", afirma.