Clubes brasileiros precisam virar empresas se quiserem ganhar o Mundial da Fifa

Por Eduardo Carlezzo, O Globo.

Nesta quinta-feira, Tigres e Bayern de Munique disputam a final do Mundial de Clubes da Fifa. Existem diferenças brutais entre os dois clubes, mas uma semelhança salta aos olhos: ambos são constituídos juridicamente como empresa há muito tempo.

Qual é o impacto disso na prática? Projeto duradouro, estabilidade do técnico (o treinador do Tigres está há dez anos no clube), continuidade administrativa, sucesso esportivo, etc.

Se já era muito difícil para um clube brasileiro ser campeão mundial, agora as dificuldades estão aumentando sensivelmente até para chegar à final.

Para ser competitivo, chegar a todas as finais e deixar de ser um mero coadjuvante, é necessário forte investimento. Não há mágica. É impossível ter uma estrutura esportiva e administrativa de primeira linha sem dinheiro. E no caso destes dois clubes, guardadas as diferenças socioeconômicas que existem entre Alemanha e México, a configuração destas duas entidades no formato empresarial permitiu a ambas terem acionistas de altíssima credibilidade e capacidade financeira.

O Tigres, que era originalmente administrado pela Universidad Autónoma de Nuevo León, devido a sérios problemas financeiros passou a ser controlado pela Sinergia Deportiva, S.A. de C.V., que tinha entre seus acionistas a Cemex, uma das líderes globais na produção de cimento, e a Femsa, gigante do setor de bebidas e acionista da Heineken (anos depois a Femsa se retirou da sociedade).

Já o Bayern é constituído como FC Bayern München AG, que é a empresa que explora e administra o futebol, sendo que seus acionistas são o FC Bayern München eV, que é o clube associativo, com 75% das ações, e na sequência três empresas que dispensam apresentação, Audi, Adidas e Allianz, cada uma com 8,33% das ações.

À exceção do Bragantino Red Bull, que não é um clube da elite do futebol nacional, mas que pode ao longo dos próximos anos cavar um espaço neste espectro, nenhum clube brasileiro teve uma organização societária que pudesse chegar minimamente perto disso. É como se as grandes empresas simplesmente desprezassem os clubes brasileiros. Alguma razão deve haver para isso, já que, quando olhamos para o mundo, vemos mais e mais empresas e investidores de primeira linha associando-se ao futebol. O Brasil, como em diversos setores da economia e da sociedade, parece aqui também rumar em sentido oposto ao que acontece no mundo.

É por isso que precisamos urgentemente de um marco regulatório para a transformação dos clubes de futebol em empresa e é fundamental que o Senado Federal cumpra seu papel e vote o projeto que foi aprovado na Câmara em 2019 e que até hoje está engavetado.

O futebol brasileiro vive, sim, uma crise financeira enorme, representada pelo alto endividamento dos clubes. Há clubes, das séries A e B, cujo endividamento chega a ser surreal, inacreditável, fruto de sucessivas e históricas gestões que depredaram sem piedade um patrimônio que não era deles e que, a bem da verdade, não é de ninguém.

Precisamos entrar na rota de investimentos internacionais. Há hoje uma grande liquidez global para investimentos em negócios de risco, e o futebol é um destes ativos.

É necessário que nossos clubes sejam bem administrados, capitalizados e aptos a chegar em todas as finais do Mundial de Clubes da Fifa e jogar em pé de igualdade com os europeus, e não apenas depender de uma única bola ou de um momento de sorte para vencer.

Infelizmente, neste momento, olhando para nossa realidade, isso é apenas um sonho. Para chegarmos lá, é necessário investimento pesado. Para gerar este investimento, é necessário segurança jurídica e estabilidade, algo a que nosso país não está muito acostumado.

Organicamente, ou seja, pelo aumento das próprias receitas operacionais, os clubes nacionais nunca chegarão neste patamar. Será preciso receber forte capitalização externa, e isso apenas ocorrerá com a conversão em sociedade anônima.

Mas isso não ocorrerá em um passe de mágica. Não é a simples conversão em S.A. que resolverá de um dia para o outro problemas históricos. Não existe um cheque de 1 bilhão voando por aí sem destino. Mas existe, sim, investimento para bons projetos.

O caminho é longo, árduo e exigirá muita paciência, e o primeiro passo para a definitiva mudança estrutural dos clubes brasileiros está nas mãos do Senado Federal.

*Eduardo Carlezzo é advogado, sócio do Carlezzo Advogados e especialista em direito desportivo


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