O futebol na agenda econômica pós-covid

Por Eduardo Carlezzo.

O parlamento nacional precisa debater projetos que olhem para o futuro do Brasil no pós-pandemia, ainda que neste momento seja difícil ver uma luz clara e concreta no fim do túnel. A economia brasileira, duramente castigada por sérios equívocos na gestão da pandemia, precisa de incentivos para se restabelecer, já que alguns setores foram bastante prejudicados, caso do futebol, que sofreu com as interrupções de competições e aparentemente continuará sofrendo por um bom tempo com a falta de público nos estádios.

Um projeto que tem toda a capacidade de ser um divisor de águas no futebol brasileiro, iniciando um processo semelhante a uma desestatização e colocando a gestão do futebol como um negócio sujeito ao livre mercado é aquele que estabelece um marco regulatório para a transformação dos clubes de futebol em empresa.

Aprovado pela Câmara Federal em outubro de 2019, finalmente o projeto de lei 5.516 ganhou corpo e velocidade no Senado Federal pelas mãos do Senador Carlos Portinho, que além de relator do projeto, é um advogado experiente, com atuação no futebol e conhecedor de seus problemas e soluções, e pela pluralidade de opiniões que vem colhendo pode estabelecer um projeto altamente relevante para o futebol nacional.

O ponto de partida da proposta reside na liberdade de associação consagrada pela Constituição Federal, pela qual nenhum clube de futebol será obrigado a deixar o modelo associativo para virar sociedade anônima. Apenas seguirão esta trilha os clubes que assim entenderem. Quem não quiser, continua como associação.

A criação da sociedade anônima do futebol deve ocorrer basicamente em 2 hipóteses: do zero, quando pessoas, físicas e/ou jurídicas, se unem para criar uma empresa sem nenhum registro federativo precedente, ou a partir de um clube de futebol existente, constituído como associação, o qual criará a sociedade anônima, cederá seus ativos esportivos e será desta acionista, podendo abrir o capital para a entrada de investidores.

É fundamental que exista um regime tributário simplificado para estimular esse processo de “desestatização”. Entendo que a linha seguida tanto pelo projeto aprovado na Câmara quanto a do PL 5.516 é correta, buscando uma alíquota única para todos os tributos federais. Lembrando que os clubes hoje são associações e devido a este modelo sem fins lucrativos possuem um regime tributário diferenciado, com menor carga fiscal. O principal motivo apontado para a não conversão dos clubes em empresa é a nova carga tributária que deveriam enfrentar, o que inviabilizaria clubes que já carregam consigo um alto endividamento.

Importantíssimo também é a criação de um sistema de financiamento via mercado de capitais que estimule negócios. Isso pode ser feito via isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital em papéis emitidos pelos clubes, visando atrair o investidor.

Por isso aos clubes de futebol devem ser dadas condições de emitir debentures em posição semelhante àquelas dadas a segmentos ligados a infraestrutura, com isenção de imposto de renda sobre os rendimentos obtidos. As debentures vem mostrando ser um relevante instrumento de captação de recursos para o financiamento de atividades empresariais e a abertura de novas fontes de financiamento é tudo o que o futebol precisa.

Além disso, não podemos perder de vista a oportunidade de dar aos clubes condições especiais para a abertura do capital social em Bolsa de Valores. Já existe uma lei (n. 13.043) que confere condições diferenciadas para empresas de menor porte aderirem à bolsa, concedendo ao acionista isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital na venda de determinadas ações. Isso pode ser perfeitamente extensível ao futebol.

É visível no mercado financeiro que os ativos que tenham isenção de imposto de renda têm tido uma grande acolhida pelos investidores. Desta forma, trazendo isso ao futebol haveria estímulo não apenas para o torcedor comprar papéis do clube para que torce, mas também, e sobretudo, para investidores profissionais.

A entrada das sociedades anônimas do futebol no mercado de capitais pode estabelecer o início de um virtuoso ciclo de profissionalização dos clubes devido as rígidas regras pelas quais deverão planejar suas emissões, sem contar os procedimentos a que serão submetidos pelas agências de classificação de risco, o que, a bem da verdade, poderá no início gerar alguma fricção devido ao endividamento de alguns clubes.

É momento do legislador e do Governo Federal serem “agressivos”, no bom sentido da expressão, no tocante ao estímulo ao desenvolvimento econômico do país. Recordemos que o futebol brasileiro gira em torno dos clubes. Sem clubes fortes e financeiramente sólidos, a cadeia do futebol sofre.

Por tais razões o projeto do clube-empresa deve ser encarado no contexto atual como um projeto de desenvolvimento empresarial no pós-covid para um setor que está sendo castigado pelos efeitos da pandemia.

*Eduardo Carlezzo, advogado especialista em direito desportivo e sócio do Carlezzo Advogados


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