Liga de clubes brasileiros: As lições de iniciativas do passado para o futuro

Falta de representatividade, conflitos de interesses e sabotagem da CBF marcaram experiências com o Clube dos 13 e a Primeira Liga.
A notícia de que 19 participantes da Série A se uniram para organizar uma liga de clubes trouxe imediatamente à memória do torcedor iniciativas semelhantes do passado: a Primeira Liga, que durou entre 2015 e 2018; e, principalmente, o Clube dos 13, exemplo mais duradouro que funcionou entre 1987 e 2011. Os dois casos são muito diferentes entre si, mas ajudam a entender os desafios que a empreitada atual terá pela frente. Mais do que isso: trazem lições para evitar que ela não tenha o mesmo fim que as anteriores.
 
O laço que une os três projetos é muito bem definido: todos giram em torno de uma tentativa de associação entre clubes para administrar um campeonato e suas receitas. Mas é o Clube dos 13 que se aproxima mais da iniciativa anunciada esta semana. Assim como agora, as principais agremiações do país (os 12 grandes de Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, além do Bahia) se uniram durante um momento de turbulência da CBF para assumir a gestão do Campeonato Brasileiro.
 
Na ocasião, a crise da entidade máxima do futebol nacional era financeira. Sem dinheiro para organizar a edição daquele ano, a CBF não se opôs à transferência. E a Copa União, nome dado ao torneio, foi um sucesso tanto de público quanto comercial. A edição é dona da terceira maior média de público da história da competição, com 20.877 pagantes. Além disso, as agremiações montaram um departamento de marketing que conseguiu viablizar o primeiro campeonato nacional de clubes patrocinado pela inciativa privada no Brasil. Aos olhos de quem liderou aquela empreitada, o movimento atual até demorou a dar as caras:

- Afinal, os clubes acordaram - celebrou Márcio Braga, ex-presidente do Flamengo e um dos criadores do Clube dos 13.

- O que dizíamos lá atrás? Que as entidades de administração estavam ricas e os clubes, quebrados. E agora? Qual a situação? O presidente da CBF teve coragem de oferecer R$ 12 milhões à senhora que ele assediou. Onde ele foi buscar este dinheiro? Enquanto isso, e o Botafogo? O Flumiense? Está todo mundo quebrado, sem dinheiro. Quem pratica o futebol são os clubes. Entidade não tem nada que administrar.

A história do Clube dos 13 traz pontos que certamente passarão pelas discussões da nova liga e que serão fundamentais para o sucesso do projeto. O primeiro é a união entre seus participantes. Segundo Braga, o movimento nascido em 1987 começou a sofrer com traições internas. Ele cita nominalmente o dirigente vascaíno Eurico Miranda, responsável por aceitar o polêmico cruzamento entre os módulos verde (com os clubes da elite) e amarelo, exigido pela CBF para dar seu aval à competição.

- Naquela época tínhamos sempre um voto contra que era o Eurico Miranda. Conseguimos fazer o Clube dos 13 e organizar uma competição exitosa. Aí em 1988 o Eurico começou a "escorregar" junto com o Caixa D'água (Eduardo Viana, presidente da Federação do Rio na época e aliado do vascaíno). Eles ajudaram a eleger o Ricardo Teixeira (na CBF), que comprou as federações. Ele se elegeu com a promessa de dar um fim ao Clube dos 13, de diminuir a força que os clubes estavam ganhando. E o Eurico virou diretor (de seleções) da CBF.

Atuação da CBF

A atual união dos clubes também será testada. Principalmente porque, pelos planos deles, a liga será responsável pela gestão das receitas. O Clube dos 13 implodiu, em 2011, quando Corinthians e Flamengo se desfiliaram para negociar, por conta própria, os direitos de televisionamento de seus jogos. De acordo com Braga, no entanto, o principal motivo para a debandada foi a falta de representatividade do então presidente Fábio Koff.

- Ele transformou o Clube dos 13 numa entidade que administrava o contrato da TV. Não reperesentava mais o interesse dos clubes. Perdeu totalmente a legitimidade. Era como um presidente de federação.

Em depoimento ao livro "O futebol como ele é" (Ed. Grande Área), do jornalista Rodrigo Capelo, o ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez conta que Ricardo Teixeira prometeu entregar a gestão do futebol aos clubes em troca da vitória de Kleber Leite na eleição do Clube dos 13. Mas o lobby não foi eficiente: Koff acabou reeleito.

"Fomos para a eleição e perdemos por dois votos; o Koff ganhou de novo. Foi quando eu falei para ele: 'vocês ganharam, mas não vão levar'. Dias depois, eu saí. Eu não acabei com o Clube dos 13; eu só saí", conta Sanchez.

A falta de representatividade foi também um das fissuras da Primeira Liga. A entidade, que nasceu originalmente com a pretensão de resgatar a antiga Copa Sul-Minas, cresceu de projeção com a entrada de Flamengo e Fluminense. A escolha de quem ficaria à frente da organização, contudo, gerou desentendimentos. Assim como a divisão das cotas de TV.

- O primeiro grande desafio da nova liga será a definição de seus gestores, que é um assunto que sempre gera tensão pois cada clube tem suas preferências. Esse também foi um ponto de estresse na Primeira Liga, assim como também foi no Clube dos 13, implodido justamente após a última eleição - afirma o advogado Eduardo Carlezzo, que foi diretor jurídico da entidade.

- Ainda que apontem a divisão de receitas como um dos problemas internos da Primeira Liga, a verdade é que isso não ocorreu. Não havia naquele momento tanto dinheiro a ser distribuído aos clubes. E todos eram cientes disso. Mas uma liga nacional fatalmente terá que decidir sobre o formato de divisão dos direitos de TV a partir de 2025 (o contrato atual vai até 2024). Esse será seu grande teste.

Segundo o advogado, a esfera jurídica não deve ser vista como o maior dos empecilhos. Ele entende que, embora o estatuto da CBF não permita aos clubes se auto-organizarem sem a aprovação da entidade, a Lei Pelé tem vários dispositivos que ressaltam a autonomia deles para criar uma liga.

Contudo, Carlezzo lembra que a CBF e as federações podem colocar pedras no caminho dos clubes, como fizeram com a Primeira Liga. Até o momento, o discurso dos 19 que entregaram assinaram o manifesto é de não ruptura com as entidades.

- No primeiro ano, mesmo a contragosto da CBF, a competição saiu e acabou sendo um sucesso. No ano seguinte, a CBF conseguiu esvaziar completamente a Liga ao marcar jogos da Copa do Brasil nas mesmas datas dos jogos do torneio. Isso levou os clubes a usarem equipes reservas e, paulatinamente, matou a Liga - recorda Carlezzo, que aponta como maior lição para o movimento atual a coragem diante das ameaças:

- Houve ameaças de todos os lados de punição, suspensão ou desfiliação. Me recordo de uma carta da Conmebol que chegou dois dias antes do primeiro jogo ameaçando afastar da Libertadores os clubes que faziam parte da liga, que naquele momento eram dois ou três. É possível imaginar que em algum momento isso se repetirá. Ainda assim, os clubes corajosamente levaram o projeto adiante. 


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